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Ciclomobilidade e pandemia: novo cenário, renovados desafios
André Geraldo Soares
Coordenador do GT Pesquisa e do Observatório da Bicicleta da UCB – União de Ciclistas do Brasil
O fenômeno social e biológico mais alastradamente devastador já experimentado pela humanidade viva colocou a bicicleta em evidência. Aos já incontestáveis benefícios da bicicleta se somou mais um, e vital: seu uso como modo de mobilidade, quando comparado ao transporte coletivo, provoca menos riscos de contágio pelo coronavírus (Bicicleta e máscara: o jeito mais seguro de se locomover; Hospital em Belém incentiva uso de bicicletas pelos colaboradores*).
Estes benefícios levaram organismos internacionais a recomendar, desde o início da pandemia, que as pessoas que necessitem romper o isolamento físico aconselhado usem a bicicleta para se locomover (Transporte Urbano COVID-19: Mensagens-chave [ONU Habitat]; OMS recomenda o uso da bicicleta para quem precisa sair de casa durante a pandemia; Moving around during the COVID-19 outbreak [Movendo-se durante o surto de COVID-19 – OMS]).
Mais gente pedalando
Com isso, a pandemia se converteu em uma indesejável, mas indispensável, oportunidade para o aumento do uso da bicicleta, aumento este tanto espontâneo quanto induzido.
O aumento da quantidade de ciclistas é sentido por constatação empírica visual, já que carecemos de pesquisas para quantificá-lo – à exceção das cidades que contam com contadores de bicicletas, como o caso de São Paulo/SP (Recorde na ciclovia da Vergueiro: contador registra 105 mil viagens em julho, alta de 80%).
O aumento do uso ocorreu de forma espontânea porque inúmeras pessoas, sobretudo aquelas que não possuem carro, perceberam as vantagens sanitárias da bicicleta em relação ao transporte público coletivo (Trabalhadores usam bicicleta para evitar contaminação em ônibus; Conheça histórias de quem trocou o transporte público pela bicicleta). Mas também, com a diminuição das atividades físicas ocasionada pelo trabalho em casa ou para evitar espaços públicos e privados de ginástica, houve quem tenha preferido a bicicleta para os seus deslocamentos para efeitos de compensação (Brasileiros apostam nas bicicletas para fugir das aglomerações e manter a forma; Efeito da pandemia: mais bicicletas nas ruas de Londrina; Ciclismo: a ascensão do esporte que virou estilo de vida mesmo na pandemia). Adicionalmente,, também foi sentido o aumento do uso da bicicleta com a finalidade exclusiva de praticar exercícios físicos (Ciclismo ganha popularidade entre as atividades físicas praticadas durante a pandemia; Aumento de ciclistas impacta comércio e prática esportiva), entretanto tal prática gerou, em alguns lugares, conflitos com as recomendações das autoridades sanitárias e levou a reações tanto públicas quanto da sociedade civil (Coronavírus: Decreto proíbe entrada de ciclistas em Cristais Paulista, SP, até 14 de julho; Associação de ciclistas locais repudia evento que gerou aglomeração em Aquidauana).
Mas o aumento da demanda pela bicicleta também ocorreu por indução – ou seja, como consequência de fatores externos -, tanto involuntária quanto proposital. A demanda involuntariamente induzida ocorreu, em muitas cidades, principalmente pela paralisação, redução ou precarização do transporte público coletivo, levando muitos dos seus usuários a buscarem a bicicleta (Sem transporte público em SC, bicicletas são alternativa para mobilidade urbana). E, em toda parte, o impacto provocado pela pandemia sobre a economia levou parcela da população ao desemprego ou à diminuição da renda familiar – neste caso, a bicicleta surgiu como uma forma de diminuir os gastos com transporte e até mesmo para criar ou complementar a renda, como demonstrou o crescimento repentino de entregas de mercadorias por bicicleta (Bicicleta vira aliada para trabalhar na quarentena; Com desemprego em alta, Porto Alegre assiste à multiplicação de ciclistas entregadores de encomendas).
O incremento no segmento de entregas foi importante num momento em que as famílias, isoladas em suas casas, ou mesmo em seus ambientes de trabalho, precisavam se expor menos na rua e nos restaurantes – entretanto, este serviço, ao contrário obter o devido reconhecimento social, transformou-se em uma fonte de exploração econômica pelas multinacionais de aplicativos e denuncia a necessidade de regulamentação e proteção dos direitos da categoria (Condições de trabalho de entregadores de aplicativos pioram durante pandemia, mostra pesquisa; Entregadora de aplicativo roda 14h por dia de bicicleta, às vezes sem fazer uma única refeição completa; Sem regulamentação, entregadores se arriscam para trabalhar).
Persistente escassez de políticas públicas
Já a demanda propositalmente induzida ocorreu nas cidades em que o poder público executou medidas, sobretudo infraestruturais, para estimular e viabilizar o uso da bicicleta – entretanto, como no Brasil isto ocorreu, em baixíssima escala, não podemos creditar nenhum aumento significativo da quantidade de ciclistas a políticas públicas. A deprimente verdade é que no Brasil vivemos praticamente a mesma esterilidade do período precedente, enquanto vários outros países, sobretudo europeus, que já se destacavam na ciclomobilidade, anunciam várias medidas efetivas (Europa aposta na bicicleta como solução de mobilidade na vida pós-quarentena; Reino Unido investirá R$ 14 bilhões para impulsionar uso de bicicleta; Cidades do mundo todo abrem suas ruas para pedestres e ciclistas durante pandemia; 300 milhões de euros para converter estradas em ciclovias em Paris; Bônus bicicleta: Itália dá até 500 euros para comprar uma bike; Mais ciclovias, menos estacionamento e obras em 100 locais: o plano de Lisboa para o pós-covid; Barcelona prepara o desconfinamento com menos espaço para os carros e mais para peões e bicicletas).
Monitoramento colaborativo realizado pelo Observatório da Bicicleta levantou, até o momento, apenas 5 cidades brasileiras que anunciaram medidas para facilitar o uso da bicicleta – Belo Horizonte/MG, Vitória/ES, Rio de Janeiro/RJ, São Paulo/SP, Curitiba/PR e Fortaleza/CE (Iniciativas de cidades brasileiras favoráveis à bicicleta), entretanto tais medidas são muito tímidas – com exceção de Fortaleza, que se dedicou à realização de um plano mais completo (Prefeitura vai lançar plano de mobilidade para Fortaleza ‘conviver’ com a COVID-19).
Se a situação é ruim, tende a piorar com a recessão econômica na qual o país está entrando e que deve afetar as contas públicas das três esferas governamentais (Brasil entra em recessão técnica após PIB cair 9,7% no segundo trimestre#). Os investimentos em políticas cicloviárias, que costumam ser escassos, tendem a cair ainda mais na prioridade dos orçamentos municipais e a não encontrar resposta dos costumeiros pedidos aos cofres federais (Municípios terão suas receitas reduzidas#).
Impacto e reação do mercado
Entretanto, a consequência mais visível e mais comentada do crescimento do uso da bicicleta foi o crescimento das vendas de bicicletas, inclusive de produtos usados (aumento da procura em 98% na plataforma OLX) e de produtos de suporte, como seguros. Neste cenário, o mercado, neste momento, se ressente do desabastecimento de veículos enquanto promove o aumento das vagas de trabalho, na contramão da recessão em curso (A maior fabricante de bicicletas do mundo não dá conta da demanda atual; Vendas de bicicletas no Brasil tiveram aumento de 118% em julho; Falta de peças frear aumento da produção de bicicletas em Manaus; Com flexibilização de quarentena, vendas de bicicleta, skates e patins explodem [na OLX]; Marketplace de itens para bicicletas cresce 223% na pandemia; Busca por seguro para bicicletas sobe 38% durante pandemia).
Outro indicativo de aumento do uso da bicicleta vem do setor de bicicletas compartilhadas, que teve um aumento de usuários (por exemplo 10% na Grande Vitória) e que, mesmo em perspectiva de crise econômica global, tem atraído investidores (Pandemia faz crescer procura por bikes na GV; Startup de bicicleta compartilhada Tem Bici levanta aporte de US$ 47 milhões).
Por isto, o mercado está atento a este movimento e vozes importantes que o representam (como Caloi, Tembici e Shimano) se manifestaram em favor de melhorias nos serviços públicos voltados para a ciclomobilidade (Mais pedal e menos aglomeração; Bikes taxadas demais; Empresas se preparam para provável “boom” de venda de bicicletas). De uma forma mais explícita e propositiva, a Aliança Bike, que congrega empresas do setor, lançou um manifesto reivindicando melhorias para distintas áreas do ciclismo, como mobilidade, cicloturismo e logística (Aliança Bike lança Manifesto Manifesto “10 propostas para estimular o uso e o mercado de bicicletas no país).
O poder se chama automovelcracia
Entretanto, a economia convencional não costuma se importar com o que a bicicleta representa para a saúde, para a sustentabilidade e nem mesmo para a própria economia (Ciclovias corona” da Europa poupam US$ 3 bi por ano em saúde; Muitos empregos podem ser gerados com ciclovias, faixas de ônibus e calçadas recuperadas; Para cada dólar gasto com ciclovias, cidades economizam até US$ 24, indica estudo). Apesar da indústria da bicicleta atingir mais de 700 milhões de reais em receita e gerar mais de 7.000 empregos, em dados de 2016, segundo a Aliança Bike (A economia da bicicleta no Brasil), sem contar com outros segmentos (compartilhamento, varejo, esporte, turismo etc.); apesar de somente na cidade de São Paulo o aumento do uso da bicicleta seja capaz de representar um ganho no PIB (Produto Interno Bruto) de até R$ 870 milhões em até três anos apenas com o aumento da produtividade por conta de menos tempo perdido com deslocamentos (Impacto social do uso da bicicleta em São Paulo); apesar disso tudo, os setores produtivos automobilísticos, petrolífero e da construção civil possuem uma força de controle social enorme.
Estas evidentes mobilizações corporativas e as análises de especialistas não nos autorizam a sermos otimistas. Apesar de manifestações de interesse – por exemplo, 20% dos paulistanos manifestaram o desejo de usar mais bicicleta após a pandemia (Paulistanos das classes A, B e C pretendem se deslocar mais a pé ou de bicicleta após pandemia de coronavírus, diz pesquisa) -, os empresários do automobilismo já tem seus planos prontos (Montadoras pedem a Guedes redução de imposto para estimular compra de carros) para literalmente sufocar as notícias de que a poluição diminuiu na cidades no início da pandemia (Com poucos carros circulando nas ruas, poluição diminui consideravelmente; Queda da poluição na pandemia de coronavírus já evitou milhares de mortes), inclusive pagando notícias nos meios de comunicação (Carro ganha importância como transporte seguro). Com efeito, a falta de políticas públicas para gerar segurança para o pedalar e a continuidade dos riscos de contaminação pelo coronavírus mantém o protagonismo do veículo privado automotor (A cidade pós-coronavírus será mais poluída e desigual; Brasileiro deve preferir carro particular após a quarentena; Do lazer às vacinas, carro ganha protagonismo durante a pandemia; Medo da covid-19 pode gerar onda de migração para carro e moto).
A necropolítica de mobilidade urbana
Como se não bastassem todas as condições descritas até aqui (falta de infraestrutura adequada; aumento da quantidade de ciclistas – muitos dos quais, certamente, com pouca experiência -; pressão produtiva sobre os entregadores; pressão da indústria automotiva), dois outros fatores nefastos contribuem para o que já era esperado: o crescimento da violência viária sobre os ciclistas (Ciclistas se tornam as maiores vítimas no trânsito durante a pandemia; Por que o atropelamento de ciclistas disparou no Brasil?).
O primeiro fator é a impunidade dos motoristas promovida pelo governo federal (bem representada pelo Projeto de Lei 3267/2019, conhecido como PL da Morte, que flexibiliza diversos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro); para ilustrar esta situação, monitoramentos já detectam o aumento da velocidade dos veículos nas vias públicas brasileiras, fenômeno que tem sido fartamente testemunhado por ciclistas em suas redes de comunicação (Mortes na pandemia, mortes no trânsito: por que a Covid-19 reforça a urgência da segurança viária).
O segundo fator é o descaso com a saúde pública e a banalização da morte que habitam o imaginário social e os valores dos brasileiros e brasileiras em relação à pandemia da Covid-19, cuja justificativa costuma ser a mesma, oferecida tanto por governantes quanto pelo mercado: é preciso salvar a economia. Este descaso em relação à pandemia, entretanto, não deve nos surpreender, pois trata-se da mesma postura em relação à violência viária, que ceifou 40.721 vidas só no ano de 2019, segundo dados do DPVAT, sendo que 29% eram pedestres** (Mortes por Covid-19 no Brasil na pandemia superam soma de vítimas de homicídios e de acidentes de trânsito em 2019#; Coronavírus já mata mais que acidente de trânsito por dia no Brasil#; A cada 1 hora, 5 pessoas morrem em acidentes de trânsito no Brasil, diz Conselho Federal de Medicina#).
Em relação aos ciclistas, os dados disponíveis são da Abramet, informando que em 2019 morreram 816 ciclistas no trânsito (totalizando 2,30 % em relação aos dados do Ministério da Saúde (Número de ciclistas atropelados aumenta e SUS gasta R$ 15 milhões por ano com traumatizados #).
Assim, se a sociedade tolera a omissão do Estado de evitar as mortes até de quem está conduzindo um veículo motorizado, o valor das vidas de quem é atropelado tende a ser menor ainda, já que, frequentemente, trata-se de pessoas de baixa renda – 75,80 % usam a bicicleta para ir ao trabalho e 40,30 % possui renda de até 2 salários mínimos (Perfil do ciclista 2018). O mesmo se passa com a pandemia pelo coronavírus, que igualmente mata mais pobres (66% das mortes até 18 de maio ocorreram em lares com renda média de até 3.000 reais) e negros (Coronavírus: o perfil com maior risco de morte por Covid-19#; Em vez da idade, classe social passa a definir quem morre de covid no país#; Desigualdade social é fator de risco para mortes de crianças e adolescentes por Covid-19 no país#; Dados do SUS revelam vítima-padrão de Covid-19 no Brasil: homem, pobre e negro#).
Com isto, podemos alargar o uso do do conceito de necropolítica – que significa, para seu autor, Achille Mbembe, em termos simplificados, “o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer” -, e que já tem sido correntemente utilizado para definir a condução pública da pandemia ((Necropolítica: o que esse termo significa?#; Pandemia expõe “necropolítica à brasileira” e uma certa elite que não vê além do umbigo#) também para a para a política cicloviária brasileira. Em tempos normais ou de pandemia (o “novo normal”), a parcela da população que mais morre pelas mãos das políticas públicas (de saúde, de segurança, de emprego, de infraestrutura etc.) é pobre e negra que anda a pé, de ônibus ou de bicicleta.
O papel histórico da sociedade civil
Felizmente há uma situação que, apesar da crise, não mudou: a vigilância e a pressão exercida pela sociedade civil organizada. De fato, para brincar com as palavras, já era normal (já fazia parte) durante a situação normal (o mundo antes da pandemia) o cicloativismo lutando contra o normal (o descaso com a ciclomobilidade) e felizmente ainda podemos contar com o cicloativismo no “novo normal” (estado de permanente cuidado para eliminar e evitar nova situação pandêmica) para a situação não piorar.
Assim tem sido no estrangeiro: tanto organizações locais quanto nacionais de diversos países buscam espaço na ampla mesa de debates sobre a pandemia para pautar a bicicleta realizando ações variadas, a maioria delas, acertadamente, demandando medidas aos órgãos competentes (BiciRed Peru lança Manifesto e abaixo-assinado sobre a pandemia; Coletivos ciclistas da Bolívia requisitam medidas de inclusão da bicicleta para o enfrentamento da pandemia; Na madrugada do Dia Mundial da Bicicleta, grupo de utilizadores pinta ciclovia ‘pop-up’ em Lisboa; Activistas nos dicen por qué es el momento de la bicicleta en Latinoamérica; Ativistas saem às ruas em campanha para incentivar o uso de bicicletas no Reino Unido; Colectivos ciclistas del País Vasco piden medidas em movilidad contra Covid-19; Portugal: “Associação apresenta plano ao Governo para apoiar uso da bicicleta”; Colectivo Cabildo Quiteño plantea al Municipio cambios para el transporte, la bicicleta y el peatón).
No Brasil não é diferente. Mesmo com as dificuldades operacionais geradas pela pandemia, organizações de ciclistas de diversas cidades brasileiras buscam, através de diversas ações, na maioria das vezes executadas remotamente, demonstrar os benefícios da bicicleta para demandarem a execução de políticas públicas que lhe sejam favoráveis: abaixo-assinados, petições, debates online etc. (Campo Grande: “Grupo da Capital faz abaixo-assinado por ciclovias temporárias durante pandemia”; Coletivo Pedal das Minas realiza campanha “Bicicleta Para Futuros Possíveis” em São Luís; Por mais ciclovias, ciclistas irão à Câmara Municipal do Recife nesta quarta-feira; Pedal Contra o Corona vai às ruas de SP valorizar o trabalho do ciclista entregador; Petição online pede ciclofaixas provisórias durante pandemia, em Curitiba).
Em nível nacional, a UCB – União de Ciclistas do Brasil também agiu rapidamente e publicou um conjunto de recomendações para os/as ciclistas utilizarem a bicicleta quando necessário (Coronavírus: “Cuidados ao utilizar a bicicleta como meio de transporte”) e lançou a Nota Pública: Bicicleta no Pós Coronavírus, entregue ao governo federal e hoje subscrita por 62 instituições, contendo reivindicações de medidas de incentivo e viabilização do uso da bicicleta.
E para estimular a ação cicloativista em nível local, nas cidades, a UCB formatou e colocou à disposição uma assessoria sob a forma de campanha, contendo instruções materiais de apoio diversos. Esta campanha foi denominada de Bicicleta para Futuros Possíveis e já conta com a adesão de organizações da sociedade civil de 23 cidades de todas as regiões do país.
Renovada resistência para os renovados desafios
Mas não está fácil para o ativismo. O estudo a este respeito está para ser feito, mas sabe-se que o cicloativismo, que tem o espaço público como meio e como fim da ação, compreendeu a necessidade do isolamento físico e precisou concentrar-se basicamente em atividades por meios de comunicação eletrônica; além disso, é bastante provável que cicloativismo tenha sofrido tanto uma redução de membros quanto uma redução de tempo de dedicação dos membros que restaram, haja vista que, como integrantes da sociedade, também sofreram reveses de diversas ordens.
Assim, o cicloativismo responde, com as ações que permaneceram ao seu alcance, ao imperativo da incontestabilidade. Porque apesar das inegáveis vantagens da bicicleta para os indivíduos, para a sociedade e para a natureza; apesar das pessoas necessitarem evitar a contaminação por um vírus mortal e manterem-se economicamente salvas; apesar das especulações sobre as transformações éticas, conscienciais, políticas e econômicas que tal advento poderia gerar; apesar disso tudo, o poder público não se comove sequer para a execução de medidas simples e baratas como reservar uma ou meia faixa de rolamento para estimular e permitir que as pessoas pedalem com segurança.
Resumindo: o novo cenário renovou os desafios enfrentados pela sociedade. Por renovação, se entenda: os desafios já existentes se agravaram, surgiram novos desafios e o enfrentamento dos desafios ficou mais difícil. E, por estar resistindo e também se renovando para enfrentar os desafios, o cicloativismo confirma pertencer ao campo dos movimentos organizados de transformação social. Uma vez que a pandemia ainda continua, teremos oportunidade de analisar estes fatos e esta interpretação futuramente.
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Todas fotografias são do autor, que concede liberdade de uso para todas as iniciativas que promovam a ciclomobilidade de acordo com os princípios elencados no Art. 2º do Estatuto da UCB.
* Excetuando as referências marcadas com #, todas as notícias e demais publicações citadas neste artigo constam do Observatório da Bicicleta, o centro de referência em ciclomobilidade mantido pela UCB – União de Ciclistas do Brasil. Ver as seções Notícias, Acervo e Coronavírus e ciclomobilidade.
** Os dados disponíveis são díspares. Segundo a seguradora Líder, operadora do DPVAT, foram pagas 40.721 indenizações por morte em 2019, sendo que 29% eram pedestres (o que representa 11.809 pedestres (Aumenta o número de indenizações pagas por morte pelo DPVAT em 2019#). Já os dados preliminares do Ministério da Saúde, divulgados em agosto de 2020, informam a morte de 30.371 pessoas no trânsito em 2019, sendo que 5.199 eram pedestres (representando 14,69%) (Dados preliminares de 2019 mostram queda no número de mortes no trânsito brasileiro#)