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Eletrificar a frota não significa ter mobilidade sustentável e justa para toda a sociedade

Adriana Marotti lembra que a preocupação deve ser com o transporte público de qualidade, integrado a outras formas ativas de mobilidade, como bicicleta e pedestres.

A empresa NeoCharge publicou um levantamento que apontou que, entre os anos de 2020 e 2023, a frota de carros elétricos e híbridos triplicou no País. Apesar da estatística, o número total se mostra bem abaixo se comparado ao dos principais países do globo, o que evidencia a lentidão para a popularização dessa modalidade no Brasil.

A professora Adriana Marotti, da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da Universidade de São Paulo, analisa a pesquisa e relaciona os resultados apresentados com a realidade brasileira.

Veículos eletrificados
Da mesma forma que existem diferentes tecnologias relacionadas a carros a combustão, os veículos eletrificados são divididos em quatro tipos. O primeiro deles é o Veículo Elétrico Híbrido (VEH), que utiliza combustível — gasolina, álcool, diesel — para alimentar o motor a combustão aliado a um motor elétrico e uma bateria. Possui maior eficiência no uso do combustível do que um carro não híbrido, tem menor taxa de emissão de poluentes e economiza no reabastecimento.

O Veículo Elétrico Híbrido Plug-in (PHEV) é categorizado pela combinação do motor a combustão interna com um motor elétrico e uma bateria recarregável. O que diferencia ele do VEH é o recarregamento — que pode ser feito de duas maneiras: via frenagem regenerativa (kers); e alimentado por uma fonte externa —, isso auxilia no alcance de distâncias maiores usando apenas eletricidade.

O terceiro tipo é o Veículo Elétrico a Bateria (BEV), que é um carro 100% elétrico, isto é, usa apenas a eletricidade armazenada na bateria e é recarregado da mesma maneira que o PHEV. Ele não emite nenhum gás poluente ou de efeito estufa, visto que não utiliza combustíveis fósseis para funcionar.

A última categoria é o Veículo Elétrico a Célula de Combustível (FCEV), que utiliza o gás hidrogênio como fonte de energia — combinando-o com oxigênio. Sua diferença para o BEV se resume à maneira na qual a energia é entregue ao motor elétrico e, de modo semelhante, também não emite gases poluentes ou de efeito estufa. No entanto, esse modelo de automóvel ainda não está disponível no Brasil, sendo encontrado somente nos Estados Unidos.

 

Impactos

De acordo com a especialista, ao analisar os pormenores que envolvem todos os impactos socioambientais durante todo o ciclo de vida da eletrificação da frota de veículos, nota-se que tendem a ser ligeiramente menores do que os de um movido a etanol, apesar de poluir menos e possuir eficiência maior. 

“Eletrificar a frota não significa ter mobilidade sustentável e justa para toda a sociedade, estamos falando de transporte público de qualidade, integrado a outras formas ativas de mobilidade, como bicicleta e pedestres, e não apenas veículos individuais de passeio, que são a forma mais excludente de transporte.” Ela complementa que países dependentes da importação de petróleo, como a China, devem focar na eletrificação, pois irá ajudar na redução de CO2 e na dependência energética, o que não é o caso do Brasil.

 

Mercado brasileiro

Segundo a professora, a frota de veículos elétricos e híbridos ainda é marginal em relação ao mercado total; por exemplo, em 2022, esses veículos representaram apenas 2,5% do todo e, dessa porcentagem, mais de 50% correspondem apenas à venda de VEH. Esses números estão correlacionados com o preço desses automóveis, que podem ser de dois a quatro vezes mais caro que um convencional.

Nesse sentido, Adriana realiza uma crítica à Reforma Tributária, que não manteve vantagens tributárias para esses veículos: “Ainda hoje, em todo o mundo, os VEH são vendidos com algum tipo de isenção de taxas ou incentivos para os consumidores, porque seu preço ainda é superior aos veículos a combustão. Aqui no Brasil, não temos nenhum tipo de política expressiva para veículos de passeio”.

Para a docente, a sinalização realizada pelo governo federal em promover políticas de incentivo à fabricação e compra de ônibus elétricos é positiva, uma vez que o Brasil não precisa se preocupar com a substituição de veículos individuais movidos a combustão — por conta do etanol. Em contrapartida, os ônibus são os maiores contribuintes para a poluição atmosférica, com a emissão de CO2 por meio do diesel.

No que concerne ao mercado de peças e acessórios, os veículos elétricos possuem menos sistemas do que um carro a combustão e os compostos, como suspensão, pneus e acabamento, são os mesmos dos carros convencionais. Aliado a isso, o fato de o Brasil dominar a tecnologia referente a motor elétrico e baterias recarregáveis e possuir capacidade de produção demonstra o potencial na área de que dispõe. “O Brasil tem cadeia consolidada para fabricação e reparo. Mas, como todo carro atualmente, os sistemas eletrônicos são mais sofisticados – e nesse caso, mesmo para os veículos atuais a combustão, o Brasil depende muito de importações”, ressalta a professora. 

Diante desse cenário, ela reforça que a cadeia de suprimento de baterias — as reservas de lítio e cobalto — estão concentradas em poucos países, como Chile, Congo, Argentina e Austrália, e o Brasil possui um pequeno estoque e produção do primeiro elemento. Assim, não se tem certeza se esse suprimento seja suficiente para manter um mercado autossustentável para uma frota cada vez maior. “Além disso, a tecnologia para reciclagem das baterias ainda é incipiente e o impacto ambiental e social dessa extração é muito alto”, afirma.

 

Infraestrutura e legislação

O aumento da frota dessa modalidade veicular exige que a infraestrutura de carregamento acompanhe o ritmo, para que não se tenha uma sobrecarga nos carregadores já instaurados — denominados de eletropostos. Adriana explica como funciona essa dinâmica: “Não há uma política pública para os eletropostos. Mas, com o aumento do número de VE, há um crescente investimento de empresas privadas na construção de postos de recarga públicos e semipúblicos, dentro de shoppings, supermercados e outros prédios comerciais”.

A especialista diz que o investimento para essa estrutura varia de acordo com a velocidade de carregamento potencial do aparelho, mas que, com a crescente no número de investidores, o modelo de recarga rápida tende a ser um negócio viável. Alguns postos convencionais, como os da marca Shell, estão investindo em eletropostos em sua rede; além disso, empresas automobilísticas, como a Volvo, estão capitalizando em pontos de recarga gratuitos nos prédios comerciais.

No âmbito legislativo, assim como em qualquer outra revolução tecnológica, mudanças ocorrem para que se mantenha o funcionamento da sociedade e Adriana destaca que já existem normas em âmbito municipal, estadual e nacional. Por exemplo, no município de São Paulo, os condomínios devem prever vagas com carregadores elétricos, existem projetos tramitando na Assembleia Legislativa do Estado São Paulo (Alesp), na Câmara e no Senado — que objetivam padronizar a construção de eletropostos nos postos de gasolina e nas rodovias federais. Contudo, a professora faz uma ressalva: “Como a recarga vem se tornando um modelo de negócio rentável, não creio ser esse um gargalo para a disseminação das vendas de veículos elétricos”.

 

*Estagiário sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

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