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Quais vias deveriam receber ciclovias em Belo Horizonte?

Por Cristiano Scarpelli e Vinicius Mundim

 

Em 04 de maio de 2022, na reunião do GT Pedala BH, a empresa de transporte e trânsito de Belo Horizonte (BHTRANS) informou que possui alguns projetos de ciclovia e ciclofaixa para implantação nos próximos anos, os quais serão discutidos muito em breve com os ciclistas.

Assim, a partir de dados do Strava Metro e para colaborar com o debate, o presente trabalho traz uma relação das vias mais utilizadas por usuários do aplicativo em Belo Horizonte, a fim de tornar público alguns números e ajudar na identificação dos locais mais apropriados para receber novas estruturas cicloviárias. Para mais detalhes da metodologia utilizada, acessar o último capítulo deste artigo.

 

Vias mais utilizadas no geral

A Tabela 01 abaixo traz, para o ano de 2021, a relação das 20 vias de Belo Horizonte com mais registros de pedaladas no Strava, a proporção delas em relação à via mais utilizada (3ª coluna) e, destacados na cor verde, os locais que possuem alguma estrutura cicloviária.

 

Tabela 01: As 20 vias com mais registros gerais no Strava. Destacados com a cor verde, os locais em que há estrutura cicloviária. Elaboração própria a partir dos dados do Strava Metro.

 

A avenida Otacílio Negrão de Lima (1) na orla da Pampulha é disparado o local com mais registros de viagens, tendo quase três vezes mais do que o segundo colocado. O local é plano, agradável e com belas paisagens, sendo ideal para prática de atividades físicas ao ar livre. Ademais, muitos praticantes de ciclismo de alto rendimento se encontram na lagoa para treinar conjuntamente. Importante destacar ainda que as avenidas Dom Pedro I (2), Heráclito Mourão (4), Clóvis Salgado (12) e a rua Ministro Guilhermino de Oliveira (20) também estão ao lado ou próximas da lagoa da Pampulha.

A estrada da Sical (6), a rua Augusto Degois (7), a via Geraldo Dias (8) e a rua Barão de Monte Alto (10) são locais que fazem a conexão de bairros da regional do Barreiro com o parque Rola Moça, local muito apreciado por grupos de ciclistas de MTB. Por sua vez, a avenida Marzagânia (18) e a rua Itamirim (19) são geralmente utilizadas por ciclistas em treino ou lazer até a região de Sabará. Já a avenida dos Andradas (3) e a Tereza Cristina (5) têm alto fluxo de ciclistas em vários trechos, sendo que o fluxo maior da avenida dos Andradas se dá na via segregada com ciclovia e pista de “cooper”; e na Tereza Cristina se destaca o trecho entre o bairro Nova Gameleira e Betânia, todos locais apreciados para atividades de lazer e treinamento.

Percebe-se, portanto, que mais da metade dos primeiros lugares da tabela 01 são grandes pontos de treinamento e/ou lazer, evidenciando que a maioria dos registros do Strava se dá para este tipo de atividade. Além disso, 9 dos 20 primeiros lugares possuem estruturas cicloviárias nos trechos em que se registraram os melhores desempenhos.

 

Vias mais utilizadas para deslocamento

Por conta da alta representatividade das atividades de lazer/esporte e a fim de tentar verificar a importância das estruturas cicloviárias, o mais interessante é analisar os números do Strava para atividades de deslocamento. A Tabela 02 abaixo traz essa relação.

 

Tabela 02: As 20 vias com mais registros de deslocamento no Strava. Destacado com a cor verde, os locais em que há estrutura cicloviária. Elaboração própria a partir dos dados do Strava Metro.

 

Primeiramente, é interessante notar que, em relação à Tabela 01, o número de vias com estrutura cicloviária se mantém em 9 das 20, mas algumas delas passam para as primeiras colocações, o que ajuda a demonstrar a importância que ciclovias e ciclofaixas têm para fomentar o uso da bicicleta quando se trata de deslocamentos.

O fato da avenida Otacílio Negrão de Lima novamente aparecer na primeira colocação também é digno de nota. A ideia de que o entorno da lagoa teria uma vocação exclusiva para lazer/esporte sempre foi uma percepção muito difundida. A título de exemplo, nas reuniões do GT Pedala para definição dos melhores locais para instalação das estações de bicicletas compartilhadas, muitos ficaram contrariados com a decisão de instalar algumas na orla da Pampulha, pois acreditavam que o foco deveria ser o deslocamento e não atividades de lazer.

Pois eis que os dados do Strava demonstram que a região é das mais utilizadas para todos os tipos de atividades. E não apenas isso, não é difícil inferir que o bom desempenho das avenidas Heráclito Mourão (5), Dom Pedro I (8) e Braúnas (20) seja motivado por serem vias de fácil acesso dos bairros próximos à lagoa.

Outro ponto que merece destaque é que pedalar margeando o leito plano do Arrudas também se mostra muito atrativo, especialmente quando se tem estruturas cicloviárias. Estes são os casos das avenidas dos Andradas (2), Tereza Cristina (3), Contorno (7) e Nossa senhora de Fátima (9), esta última a receber ciclofaixa no mês de maio de 2022.

Por sua vez, grandes e importantes avenidas como D. Pedro II (12), Cristiano Machado (14), Carlos Luz (18) e Antônio Carlos (19) também aparecem bem posicionadas no ranking, apesar de serem vias de alto movimento de veículos automotores e onde nenhuma delas oferece qualquer estrutura de apoio aos ciclistas. Isso indica que, caso a cidade implantasse estruturas cicloviárias nestas avenidas, os números poderiam ser consideravelmente maiores.

Por último, a região do Barreiro também se destaca com os bons desempenhos da avenida do canal (4), da rua Júlio Mesquita (11) e da avenida Olinto Meireles (20). A rua Júlio Mesquita é um pedaço de uma junção de vias que levam da divisa de Ibirité até a av. do Canal, a qual também tem um trecho com ciclovia, margeando a PUC Barreiro até a estação BHBus Barreiro, além  de acesso para a Tereza Cristina em direção ao Centro. A Av. Olinto Meireles é rota de quem vai para o Parque do Rola Moça e também para a Av.Tereza Cristina.

 

Vias sem ciclovia mais utilizadas para deslocamento

Se o propósito deste estudo é verificar as vias mais indicadas para receber estruturas cicloviárias, pode-se retirar os trechos destacados de verde da Tabela 02 e adicionar mais vias. A Tabela 03 abaixo traz essa relação.

 

Tabela 03: As 20 vias sem estrutura cicloviária com mais registros de deslocamento no Strava. Elaboração própria a partir dos dados do Strava Metro.

 

A avenida Tereza Cristina (1) possui estrutura cicloviária em vários pontos de sua extensão e, em alguns trechos, dos dois lados da via. Assim, os dados do Strava demonstram que existe demanda para que novos trechos recebam ciclovia dos dois lados da avenida. O caso mais relevante é o situado nas proximidades do viaduto Itamar Franco, em que a maioria dos ciclistas em direção ao centro segue pela via, em vez de atravessar no semáforo da Rua Monte Santo.

Em seguida, mais uma vez a orla da Pampulha se destaca, pois a Av. Heráclito Mourão (2) é uma das principais avenidas que dá acesso à lagoa. Ademais, a avenida Heráclito Mourão também tem ligação com a ciclovia da Tancredo Neves, além de conexão com a ciclofaixa da Av. Amintas Jaques, nas proximidades do cruzamento com a Av. Abílio Machado. Importante destacar que também dão acesso à lagoa, a avenida Avenidas Braúnas (14), a rua Guilhermino de Oliveira (15) e a Alfredo Camarate (20), sendo que a rua Sena Madureira (17) dá acesso à avenida Fleming, a qual também chega na orla da Pampulha.

A avenida do Contorno (4) e a dos Andradas (5) também possuem muito bom desempenho nas partes em que margeiam o rio arrudas e em trechos ainda sem estrutura cicloviária, evidenciando, mais uma vez, que teria sido muito melhor a BHTRANS continuar o desenho da rota cicloviária implantada em julho de 2020, por estas avenidas, em vez da opção pela ciclofaixa da rua Tamóios.

Em seguida, percebe-se bom desempenho de vias que são canal de ligação para outras com estrutura cicloviária e grande fluxo de ciclistas. Por exemplo, a rua Dom João Antônio dos Santos (10) tem ligação com a Tereza Cristina, a avenida Silviano Brandão (11) tem ligação com a ciclovia da Andradas.

Já a rua Barão de Monte Alto (19) no Barreiro tem potencial para atender um número de usuários ainda maior. A via tem ligação com a Avenida Olinto Meireles (onde há um trecho com Ciclovia) e com a própria Av. Tereza Cristina. Este eixo (Olinto + Barão de Monte Alto) é usado também por ciclistas que fazem trilhas no Parque do Rola Moça. O local chegou a receber obras para uma ciclovia em 2015, a qual, infelizmente, não foi para frente, após alguns moradores apresentarem várias queixas infundadas.

 

Quais vias deveriam ser priorizadas pela BHTRANS?

Com o que já foi apresentado até o momento, fica claro que as vias mais indicadas para receber maior atenção da BHTRANS são aquelas apresentadas na Tabela 03. Contudo, a empresa apresentou uma lista com locais para futura implantação das estruturas cicloviárias e sugeriu algumas prioridades. A Tabela 04 abaixo traz a relação dos locais definidos pela BHTRANS (os quais nem sempre se referem a obras por toda a extensão das vias) e, destacado de azul, as sugestões de prioridades também realizadas pela empresa.

Ademais, para uma análise mais global, a primeira coluna traz a posição de cada via em relação ao ranking de todas as outras vias existentes na cidade, enquanto a terceira coluna mostra a proporção de cada uma em relação à via apresentada em primeiro lugar nesta relação (av. Heráclito Mourão).

 

Tabela 04: Vias em que a BHTRANS planeja construir estruturas cicloviárias. Destacado com a cor verde, os locais que foram eleitos como prioridade. Elaboração própria a partir dos dados do Strava Metro.

 

Apesar de que toda nova estrutura cicloviária deva ser celebrada, nota-se que alguns dos locais propostos pela BHTRANS estão longe de serem os mais utilizados. O programado são 24 vias (na Tabela 04 constam 23, pois se considerou Atlântida e Heráclito Mourão conjuntamente) a receberem estrutura cicloviária, sendo que apenas 2 estão entre as 20 primeiras e 10 entre as 100 primeiras.

De resto, a BHTRANS selecionou 15 desses locais (marcados de azul) para serem priorizados, mas alguns deles não estão bem posicionados pelo critério de fluxo do Strava, de forma que talvez fosse interessante também levar em consideração esta informação.

 

Conclusão

Ao se pensar nos melhores locais para estruturas cicloviária, diversos fatores devem ser estudados e levados em consideração, como número de usuários, a formação de redes cicloviárias, interligação modal, potencial de novos ciclistas, bem como condições econômicas e políticas para implementação. Entretanto, ainda são muitos os projetos cicloviários que falham em apresentar dados consistentes sobre quaisquer destes aspectos.

Com isso, a partir de dados do Strava Metro, este estudo procurou colaborar com o debate e trazer a relação das vias mais utilizadas pelos ciclistas de Belo Horizonte, principalmente na modalidade deslocamento. Verificou-se que muitas das vias que mais recebem ciclistas possuem pelo menos umas das seguintes características:

a) Possuem estrutura cicloviária;
b) são avenidas importantes e de grande movimento;
c) Possuem topografia plana;
d) Fazem interligação com outras vias que já possuem grande fluxo de ciclistas.

Por fim, analisou-se a relação das vias apresentadas pela BHTRANS para receberem estruturas cicloviárias e foi feito um levantamento dos números do Strava nestes locais para melhor embasar decisões futuras a respeito.

 

Metodologia

Os dados do Strava Metro não necessariamente são representativos do universo de ciclistas, já que pode existir prevalência de determinado perfil sócio-econômico e de usuários com maior predisposição às atividades esportivas. Todavia, as primeiras comparações realizadas entre os números do Strava e de contadores físicos e presenciais em Belo Horizonte não identificaram variações relevantes entre algumas regiões da cidade, o que é bastante promissor, embora, vale destacar, sejam ainda levantamentos preliminares.

Por sua vez, atividades de lazer e/ou treinamento costumam ter um padrão de comportamento diferente daqueles que usam a magrela para deslocamentos no dia a dia. Atletas tendem a treinar em locais específicos, fora da estrutura cicloviária, e podem, numa mesma atividade, passar inúmeras vezes por um mesmo trecho, resultando em superdimensionamento dos registros em certas localidades. Entretanto, através de algoritmo próprio do Strava Metro, a empresa tenta separar atividades de lazer/esportes daquelas de deslocamento, informação essa que pode ajudar a diminuir certos vieses e por conta disso foi muito utilizada neste trabalho.

Outros pontos importantes a serem destacados é que o Strava fornece o número de registros apenas para:

  • Segmentos da via, geralmente por quarteirão ou interseções das vias, como de um sinal ao outro num cruzamento;
  • Um lado da via, quando existe separação física entre os lados de uma mesma via (como na Tereza Cristina);
  • Ciclovias em calçadas, separando a contagem desta da pista de rolamento dos carros (por exemplo, na orla da Pampulha existem números separados para a ciclovia e para a avenida Otacílio Negrão de Lima).

Por conseguinte, a princípio, não é possível captar e comparar o fluxo de ciclistas de todas as pistas de um trecho de via, o que pode tornar certas comparações inadequadas, como equiparar vias de mão dupla e uma pista (orla da Pampulha) com vias de até 4 pistas (Antônio Carlos e Cristiano Machado quando se considera a pista do BRT).

Todavia, foi realizada uma comparação manual contabilizando todas as pistas adjacentes dos 20 primeiros casos de deslocamento e, apesar de algumas diferenças pontuais relevantes, observou-se não haver comprometimento no resultado mais geral. A Tabela 05 abaixo traz essa comparação.

 

Tabela 05: Comparação dos percentuais de deslocamento das 20 vias mais utilizadas para deslocamento, levando em consideração as pistas adjacentes dos segmentos com maior fluxo de ciclistas. Destacado com a cor azul, os locais que possuem ruas adjacentes. Elaboração própria a partir dos dados do Strava Metro.

 

Vale notar que 16 dos 20 primeiros lugares analisados possuem mais de uma pista ou ciclovias adjacentes na calçada, para as quais o Strava também contabiliza os números separadamente, de forma que a maioria das comparações foram feitas sob bases similares.

Ademais, seria muito oneroso ou até impraticável contabilizar manualmente todas as pistas adjacentes de todas as vias. Outra consideração importante é que este método pode não ser o mais adequado para determinados tipos de análises, principalmente naqueles em que se propõe avaliar a colocação de ciclovia dos dois lados da via (quando a via é muito larga e há poucas opções de passar de um lado para o outro, como é o caso de alguns trechos da avenida Tereza Cristina). Por tudo isso, optou-se neste estudo por avaliar apenas os segmentos mais utilizados sem levar em conta pistas adjacentes.

Por fim, para ser possível a comparação de todas as vias, foi preciso usar os nomes de ruas fornecidos pelo Opens Street Map (OSM), já que o Strava Metro fornece apenas o número dos segmentos do OSM. Acontece que nem sempre os nomes do OSM estão padronizados e podem aparecer com grafias diferentes (Por exemplo, “avenida presidente Antônio Carlos” e “avenida Antônio Carlos”).

Por conta disso, para todas as tabelas com os 20 locais mais utilizados pelos ciclistas foram feitos ajustes para evitar esse tipo de repetição. No caso da proposta da BHTRANS sobre as vias que poderiam receber estrutura cicloviária, devido ao grande número de linhas a serem analisadas (e este é o motivo para, por exemplo, a Heráclito Mourão estar na posição 7 e não em 5 como na Tabela 02) não foi feito nenhum tipo ajuste.

 

Agradecimento: Agradecemos a colaboração de Fernando Duarte no tratamento e cruzamento dos dados do Strava com o Open Street Map.

 

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