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Atividades de bicicleta mais do que dobram após implantação de ciclofaixa na avenida Tereza Cristina em Belo Horizonte

Por Cristiano Scarpelli

 

Em estudos anteriores (Bimbarra e Arrudas) foi possível constatar a baixíssima adesão de ciclistas a dois trechos descontínuos, lentos e desconfortáveis, de uma rota de 30 km com ciclovias e ciclofaixas, proposta pela empresa de transporte e trânsito de Belo Horizonte (BHTRANS) e implantada em julho de 2020, no contexto da pandemia da Covid-19, como uma forma de incentivar a mobilidade ativa, a qual diminui os riscos de contágio pelo vírus.

Todavia, os dados do Strava Metro também indicam resultados bastante positivos em outro trecho dessa mesma rota. Desta vez, a parte analisada foi uma bifurcação na avenida Tereza Cristina, localizada após a rotatória do Coração Eucarístico (Figura 1).

 

Figura 1: Via principal (esquerda) e secundária (direita) da avenida Tereza Cristina. Foto Cristiano Scarpelli

 

As duas pistas são de apenas uma mão de direção para os carros. A pista da esquerda consiste na  via principal, com mais faixas de rolamento e de trânsito mais rápido, enquanto a pista da direita consiste na via secundária, mais estreita, com menor fluxo de carros e, em teoria, de trânsito mais lento. Assim, provavelmente estes foram os motivos pelos quais a via secundária recebeu a ciclofaixa bidirecional da BHTRANS. 

Desta forma, esta bifurcação se mostra muito conveniente para analisar os impactos da ciclofaixa no fluxo de ciclistas, pois são trechos próximos, sem grandes interferências de outras vias e que levam ao mesmo destino. 

 

Comparativo geral

O mapa abaixo (Figura 2) ilustra os dois trajetos analisados e traz um breve comparativo dos percentuais de pedaladas, antes e depois da implantação da ciclofaixa. Ademais, considera apenas o fluxo em direção ao centro, já que seguir no contra fluxo da via principal é muito inapropriado e raro. Por fim, no caso da via principal, foi escolhido o trecho após a entrada para a avenida Silva Lobo, a fim de excluir os ciclistas que porventura seguissem por ali. 

 

Figura 2: Mapa dos trechos analisados e proporção das atividades ciclísticas no ano anterior e no ano após a implantação da ciclofaixa. Elaboração própria.

 

Observa-se que a maioria dos deslocamentos de ciclistas ocorria pela via principal, mas com o advento da ciclofaixa os percentuais praticamente se igualam, demonstrando que a estrutura cicloviária cumpriu bem a função a que se propôs. 

O gráfico seguinte (Gráfico 1) contribui de forma mais detalhada para esta constatação, ao comparar os dois trechos, apresentando a evolução dos registros das atividades de bicicleta trimestralmente desde o ano de 2018 até o início de 2022, o que permite visualizar a evolução e a intensidade das mudanças.

 

Gráfico 1: Evolução e comparativo de pedaladas registradas no Strava na via principal e secundária da av. Tereza Cristina – 2018 ao 1º trimestre de  2022. Elaboração própria a partir de dados do Strava Metro.

 

O eixo X do gráfico apresenta todos os trimestres de 2018 ao início de 2022 e o eixo Y corresponde ao índice base da razão entre o número de atividades em cada período sobre o número de atividades registradas na via principal no primeiro trimestre de 2018. Assim, o gráfico pretende retratar a evolução das atividades em termos do número de atividades registradas na via principal no início de 2018 (por conta disso, a linha azul começa no valor 1 do eixo Y).

Desta forma, se a linha cresce para acima de 2,5 significa que o número de registros cresceu 2,5 vezes em relação aos registros da via principal no primeiro trimestre de 2018. Por sua vez, quanto mais próximas as duas linhas, mais similares são os números registrados nas duas vias.  Por fim, a coluna de barras fornece exatamente a proporção entre as duas vias, ou seja, indica a proporção dos que optaram pela via secundária em relação aos que optaram pela via principal.

Isso quer dizer que, até o início da pandemia, o número de pedaladas nas duas vias se manteve mais ou menos constante e os números da via secundária correspondiam em média a 56% daqueles da via principal, ou seja, o número dos que pedalavam pela via secundária era perto da metade dos que optavam pela via principal. Por sua vez, com o início da pandemia, essa diferença aumenta, pois o crescimento de atividades registradas na via principal foi mais intenso, o que fez a proporção dos que optaram pela via secundária cair para 47% em relação à principal.

Entretanto, com a implantação da ciclofaixa na via secundária, os números mudam de forma radical e impressionante. No terceiro trimestre de 2020, os números da via com a nova estrutura cicloviária quase triplicaram e os da via principal cresceram em ritmo menor, de forma que o desempenho relativo da via secundária mais do que duplicou em relação ao da via principal.

Nos trimestres seguintes, os registros oscilaram e a proporção entre as duas vias continuou em patamar semelhante até o terceiro trimestre de 2021. Todavia, observa-se que nos três últimos trimestres a proporção dos que optam pela via principal começou a crescer e, a partir do quarto trimestre de 2021, seus registros voltaram a ser maiores do que a via secundária. 

 

Atividades de lazer 

Outra questão interessante é que o Strava Metro permite analisar separadamente as as atividades designadas pelo aplicativo como de lazer e deslocamento (“commute”). Desta forma, é possível realizar a mesma comparação proposta neste estudo, para os dois tipos de atividades.

Gráfico 2: Evolução e comparativo de pedaladas registradas como lazer no Strava na via principal e secundária da av. Tereza Cristina – 2018 ao 1º trimestre de  2022. Elaboração própria a partir de dados do Strava Metro.

 

Percebe-se que o Gráfico 2 tem um desenho muito similar ao anterior. Isso ocorre porque existe uma predominância das atividades do tipo lazer no Strava, o que influi nos números totais. 

 

Atividades de deslocamento

Já as atividades definidas como deslocamentos trazem números bem diferentes, conforme demonstra o Gráfico 3.

 

Gráfico 3: Evolução e comparativo de pedaladas registradas como deslocamentos no Strava na via principal e secundária da av. Tereza Cristina – 2018 ao 1º trimestre de  2022. Elaboração própria a partir de dados do Strava Metro.

 

No caso dos deslocamentos fica claro que a opção pela via secundária sempre foi predominante, o que evidencia a predileção desse público por vias com menor exposição aos automóveis. É por isso que, após a implantação da ciclofaixa, os ciclistas que optam pela via secundária passam a ser o dobro e até o triplo em relação aos que optam pela via de trânsito rápido.

Interessante notar ainda que, diferentemente das atividades de lazer, a pandemia pouco afetou os registros de deslocamentos, enquanto a implantação da ciclofaixa praticamente só influenciou o número de atividades na via secundária, a qual cresceu 111% no terceiro trimestre de 2020. 

 

Conclusão

Esses números são especialmente animadores, pois demonstram um expressivo aumento no fluxo de ciclistas, após a implantação da ciclofaixa, demonstrando que estruturas cicloviárias são fundamentais para viabilizar e estimular o uso da bicicleta tanto para fins de mobilidade quanto para esporte e lazer.

Porém, os números dos últimos trimestres parecem indicar uma perda de atratividade recente da ciclofaixa, ainda que a proporção dos que optam pela via secundária continue bem acima do que era registrado historicamente antes da implantação da infraestrutura cicloviária. Com isso, cabe continuar a observar os números nos próximos meses e tentar identificar possíveis causas para essa queda.

De toda forma, independente desta questão é possível especular que os resultados poderiam ser ainda melhores, caso a BHTRANS tivesse tomado alguns cuidados. A rota cicloviária de 30 km tem grande potencial, pois liga regiões importantes, o trajeto é plano e muito utilizado tanto para lazer, como para deslocamentos. 

Entretanto, a ciclofaixa possui deficiências em alguns pontos, não cabendo aqui detalhar todas elas. Basta mencionar que a ciclofaixa foi colocada ao lado da pista de rolamento, “protegendo” os carros estacionados, quando deveria ocorrer o contrário, colocando a ciclofaixa entre a calçada e as vagas de estacionamento. Ademais, em muitos trechos, a ciclofaixa não atinge, nem de perto, a largura mínima recomendada para estruturas bidirecionais. 

Por fim, caso a BHTRANS tivesse utilizado os dados do Strava Metro antes da implantação, ou alguma outra forma de aferição do fluxo de ciclistas, constataria que algumas das rotas que propôs foram totalmente disfuncionais, utilizadas por menos de 2% de ciclistas no caso da rua Tombos e 0,03% na rua dos Tamóios, o que demonstra que havia alternativas muito melhores, as quais poderiam ter fomentado ainda mais o uso da bicicleta ao longo da rota cicloviária.

 

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