Por Gláucia Pereira.
A mobilidade urbana é uma questão fundamental para o desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas, e as #mulheres têm desempenhado um papel crucial nessa história. Desde tempos antigos (e até hoje), mulheres viajaram longas distâncias para fazer comércio e expandir seus horizontes, vencendo obstáculos e desafios. São elas ainda os principais agentes de cuidados com outras pessoas e circulam, diariamente, de um lado a outro das cidades.
A história está cheia de exemplos que podem nos inspirar. Ching Shih, por exemplo, foi uma pirata que viveu no mar da China no início do século XIX e liderou uma frota de navios. Shih realizou viagens pelo Mar da China Meridional, desafiando as autoridades e expandindo seu império. Ela implementou regras para governar sua frota, incluindo o direito das mulheres a participar de viagens marítimas e o tratamento igualitário de toda a tripulação.
No século XIX, as primeiras #ciclistas foram mulheres corajosas que desafiaram as expectativas da sociedade sobre o papel das mulheres, forçando a criação de uma bicicleta moderna que garantisse que outros corpos, além dos masculinos, pudessem pedalar. O uso do bloomer, uma saia larga e confortável, revolucionou a vestimenta feminina e tornou a bicicleta uma opção viável para as mulheres. Ainda que fossem mulheres brancas e da classe alta, elas foram pioneiras e tornaram a bicicleta mais acessível, estabelecendo as primeiras diretrizes para se pensar a igualdade de gênero na mobilidade urbana.
No século XX, com o aumento da importância da mobilidade urbana e a diversificação dos artefatos móveis como o #automóvel, as mulheres não aceitaram o papel de coadjuvantes. Quando as corridas e as viagens de grande distância eram usadas para a promoção e popularização dos automóveis, elas atravessaram países e continentes. Com a chegada do avião, também não ficaram para trás. Bessie Coleman, por exemplo, foi a primeira piloto de avião negra dos Estados Unidos e a primeira mulher negra a receber uma licença. Enfrentou o racismo, a discriminação de gênero e se tornou um exemplo para as mulheres negras em todo o mundo.
E como não falar de Rosa Parks que, em 1955, se recusou a ceder seu assento a um passageiro branco em um ônibus em Montgomery, Alabama, o que desencadeou o movimento pelos direitos civis e ajudou a mudar a lei de segregação racial nos Estados Unidos. Ali já era evidente que a mobilidade urbana seria um dos principais palcos para a discriminação racial.
Na atualidade, novas revoluções se desenham com mulheres que dirigem ônibus, com pessoas e entidades que permanecem em vigilância constante para que os modos de transporte não sejam palco de discriminação racial, de abuso, assédio e importunação sexual contra as mulheres. Ou ainda movimentos que colocam as mulheres, sejam elas cis ou trans, brancas, negras ou indígenas, como protagonistas das transformações que a mobilidade urbana tem provocado no mundo, transformando as cidades em locais seguros, possibilitando às mulheres o direito de fazer uso do modo ativo de transporte.
Nas pesquisas realizadas pelo Instituto Multiplicidade Mobilidade Urbana e nos serviços que oferecemos, sempre voltamos nosso olhar para as questões raciais e também para o #gênero. São elementos que, junto com #classe e outros marcadores, informam sobre a posição das pessoas na sociedade, sobretudo, naquelas marcadas pela desigualdade. Em 2021, participamos do trabalho “Transporte para todas: gênero e raça na mobilidade urbana” a convite do ITDP Brasil em parceria CEERT Equidade Racial e de Gênero, um projeto do Banco Mundial para a Prefeitura de São Paulo. A publicação, ainda inédita, conta com um diagnóstico de mobilidade responsivos ao gênero e sua intersecção com as questões raciais. Também elaboramos a estrutura conceitual para estratégia de projeto-piloto de unificação de um canal de atendimento para violência de gênero no transporte público.
Neste 08 de março, reafirmo o gênero como um aspecto importante a ser considerado nas análises sobre mobilidade, com vistas a implementação de políticas públicas que tenham como meta a equidade entre todas as pessoas. No dia de hoje, lembremos da nossa luta pelo transporte seguro e acessível, sem discriminação, clamando por mais postos de comando feminino na gestão das cidades. Sempre estivemos na linha de frente por cidades mais acessíveis e seguras. A mobilidade urbana é uma questão crítica para a igualdade de gênero e a inclusão social, e já passou da hora de termos os mesmos direitos e reconhecimento que os homens.