Avaliação | ciclabilidade | infraestrutura cicloviária | Rio Grande do Sul
Condições das ciclovias da área central de Porto Alegre
Por Douglas Costa Strege.
Porto Alegre enfrenta problemas de mobilidade típicos de grandes cidades brasileiras, resultantes de décadas de priorização do automóvel no planejamento urbano, falta de uma estratégia integrada e baixa qualidade no transporte público. Esses fatores prejudicam diretamente quem depende de outros modais além do carro. A infraestrutura cicloviária da cidade, mais especificamente da área central, apresenta sérios problemas de manutenção, de falta de conectividade e de segurança, e a realidade enfrentada pelos ciclistas está longe de corresponder às expectativas e necessidades.
A cidade conta com o Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI), de 2009, inovador para a sua época, mas que não foi cumprido. O plano previa a construção de 495 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas em 12 anos, além de manutenção anual e revisões periódicas a cada 5 anos. Hoje, 15 anos depois, com fundos orçamentários revogados pela ausência de repasses financeiros, editais de revisão adiados e dependência do setor privado para a implementação de novas vias, apenas 86 quilômetros foram construídos – 17,4% da meta original.
Em meu trabalho de conclusão de curso, busquei avaliar as condições de qualidade e acessibilidade dessas ciclovias e ciclofaixas, frente à ausência de trabalhos do tipo. Para isso, foi aplicado o Índice de Avaliação de Qualidade de Infraestruturas Cicloviárias (QualiCiclo), desenvolvido por Diogo Batista e Eduardo Lima, e publicado na Revista Brasileira de Gestão Urbana em 2020. O Índice é constituído por 12 indicadores sobre diferentes aspectos que influenciam na qualidade da prática de pedalar e são agrupados em quatro categorias – estrutura, sinalização, ambiente e segurança.
É atribuída uma pontuação de 0 a 3, representando uma avaliação qualitativa ou quantitativa, que varia de ‘insuficiente’ a ‘ótimo’ para cada indicador, categoria e índice final. As notas são baseadas em parâmetros recomendados pelo Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito do Contran e no artigo utilizado como referência.
A área de estudo foi delimitada entre a Orla do Guaíba e as avenidas da Segunda Perimetral, tendo 24 quilômetros de ciclovias ou ciclofaixas avaliados no trabalho – cerca de 28% do total da infraestrutura da cidade.
As observações de campo, entre fevereiro e abril de 2024, revelaram uma realidade chocante, mas não muito surpreendente: 56% dos quilômetros avaliados foram classificados como ‘insuficientes’, sendo 11 das 24 vias com essa classificação, ou seja, não atingiram os parâmetros de qualidade mínimos. Entre os problemas encontrados nessas vias, destacam-se: trechos estreitos e com pouca proteção do restante do tráfego; pavimento precário e irregular; sinalização com pintura desgastada; ciclovias com final abrupto e desconectadas entre si; trechos mal iluminados à noite e sem sombra durante o dia; obstáculos em meio a algumas vias, como postes e lixeiras; ausência de medidas de redução da velocidade aos veículos; e falta de prioridade aos ciclistas em cruzamentos.
Diversos trechos são contabilizados inteiramente como ciclovias pela EPTC, mas intercalam com espaços compartilhados com pedestres na calçada, como as ciclovias das avenidas Loureiro da Silva, Érico Veríssimo, José de Alencar e Goethe. Em alguns pontos inexiste qualquer demarcação dessas ‘ciclovias’ por conta do desgaste e da falta de manutenção da pintura, ficando sem nenhuma sinalização em cruzamentos e saídas de carros, gerando situações de risco para quem as utiliza.
Outros trechos, além da falta de sinalização, precisam ser desviados pelos ciclistas devido à presença de buracos, rachaduras e/ou grande desnível no asfalto, como nas ruas João Telles e Sete de Setembro, e na avenida José de Alencar.
A situação da ciclovia da avenida Ipiranga ilustra bem o descaso: desde setembro de 2023 interditada pela queda do talude em vários pontos, permanece fechada sem previsão de reconstrução e reabertura. Construída ao longo de oito anos, entre 2012 e 2020, a ciclovia ficou operacional no trajeto inteiro por pouco mais de três anos antes de ser abandonada, sem manutenção alguma.
Sucessivas gestões municipais, incluindo a atual, têm negligenciado investimentos em modais públicos e não motorizados de transporte. Há uma clara falta de coordenação entre a prefeitura e órgãos competentes, como a EPTC, tanto na manutenção regular da rede cicloviária quanto na elaboração das revisões do PDCI nos prazos estabelecidos.
As ciclovias são construídas de maneira a não interferir no espaço dos carros, subindo em calçadas e disputando o espaço com pedestres em cruzamentos ou onde for conveniente, em vez de ocuparem o espaço viário e as vagas de estacionamento. Isso, junto da falta de um sistema integrado com o transporte público, resulta em um deslocamento mais demorado e inseguro para ciclistas, o que contribui para o desestímulo ao uso da bicicleta como meio de transporte. Porto Alegre, assim, se afasta de uma mobilidade urbana mais sustentável e inclusiva, oferecendo menos opções seguras e acessíveis para a população.
- Douglas Costa Strege é bacharel em Geografia pela UFRGS.
- O trabalho de conclusão de curso que deu origem a este artigo foi orientado pela professora Tânia Marques Strohaecker.
- Ilustração: Kezia Mausolf/ Programa de Extensão Histórias e Práticas Artísticas, DAV-IA/UFRGS
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- Artigo original: https://www.ufrgs.br/jornal/condicoes-das-ciclovias-da-area-central-de-porto-alegre/
- Fonte: Jornal da UFRGS
- Data: 24/10/2024